Sistema Laban de Análise do Movimento

 

Os livros sobre dança, já há algum tempo, ultrapassaram a era dos manuais técnicos e dos compêndios sobre a história ocidental do Ballet. Atualmente,estes livros estão inseridos em um movimento mais amplo e inclusivo da dança como arte e arte contemporânea.

Falar sobre o movimento humano como arte pressupõe mergulhos de profundidades variáveis e em águas bastante diferentes entre si. O que é verdade na costa do Pacífico Norte não o é para o Sul, o mesmo se aplicando nos mares do Atlântico, do Índico, e assim por diante. A dança perdeu a universalidade universalizante garantida pelo ballet ocidental e conquistou seu lugar na contemporaneidade da multi, pluri, globalização. Neste contexto Rudolf Laban aparece como o precursor do pensamento de pensar a dança, sistematizando um método de análise do movimento e atuando em esferas públicas de educação, saúde e produção industrial que o colocam muito a frente de seu tempo, 1879-1958.

Este iluminista do séc. XIX participou da efervescência da vanguarda da virada do século e construiu um caminho por onde puderam trilhar os grandes mestres da dança européia do séc. XX, com repercussões interessantes e fundamentais em outros continentes, como por exemplo, o Brasil.  Principalmente, trouxe de volta a atenção sobre o movimento cotidiano, o homem comum, o ser humano e suas contradições, suas singularidades, dando um salto por sobre o formalismo idealizado do ballet, das cortes e contos de fada, para a expressividade de cada um, o estudo do corpo particularizado pela noção de indivíduo.

Assim, embora os textos aqui presentes tenham sido escritos há quase 10 anos, esta coletânea cumpre dois diferentes objetivos, bastante atuais, que nem são muito diferentes entre si, pois que estão numa relação de complementaridade histórica. O primeiro deles é trazer a público alguns textos relativos ao pensamento sobre o corpo, a partir dos princípios de Rudolf Laban, no Brasil e mais especificamente em São Paulo. O segundo é dar nome e origem a este processo para que se possa registrar a atuação de uma das mais importantes personalidades da dança moderna e contemporânea em São Paulo, ou seja, Maria Duschenes.

 Para melhor situar o leitor em relação aos textos que se seguem, permito-me apresentar, ainda que de maneira incompleta, um pouco da história de Rudolf Laban e Maria Duschenes e também registrar o evento Encontros Laban que aconteceram no sentido da continuidade do trabalho destes dois grandes mestres do movimento, e para os quais estes textos foram produzidos. Segue assim em ordem histórica alguns dados sobre Laban, Maria Duschenes e os EL-Encontros Laban.  

 

Quem foi Laban

 

            Laban foi bailarino, coreógrafo, artista plástico, arquiteto, estudioso do movimento humano. Estas suas atividades foram exercidas como pesquisas científicas sobre o ser humano e a urgente necessidade de uma melhor qualidade de vida.

            Assim como outros em seu tempo, (1879/1958) buscava uma solução para o conflito cartesiano entre o corpo e a mente. Nas transformações do século, XIX para o XX, as comunicações se potencializaram e a tecnologia de produção industrial teve grande desenvolvimento. Para alguns visionários e humanistas, esta transição era a oportunidade de livrar o mundo de seus maiores problemas (fome, miséria) através da tecnologia e, então, dedicar-se ao ideal quase iluminista do artista/cientista, o filósofo/atleta, o bailarino/guerreiro. O objetivo era unir as pessoas em suas diferenças em torno da arte e do conhecimento.

            Durante sua vida Laban foi se associando a outros artistas e cientistas de todo o mundo. Sua teoria sobre os princípios do movimento humano fundamentou inúmeros trabalhos em dança, terapia, educação, saúde pública...

             Vários centros de pesquisa internacionais continuaram sua obra. Laban desencadeou um processo em que foi até ofuscado pelo sucesso de seus alunos: Jooss, Mary Wigman, Leeder, Bartenieff... Cumpriu assim seu objetivo, ou seja, colocar em movimento uma idéia, uma emoção, um sentimento.

 

Quem foi Maria Duschenes

 

 Maria Duschenes veio ao Brasil durante a ascensão nazista, assim como Joss e Ledeer foram para o Chile. Jovem bailarina recém-chegada de “Dartington Hall” onde se encontravam Laban e muitos outros refugiados, logo iniciou seu trabalho junto a crianças e bailarinos em São Paulo.

 Não muito tempo depois teve graves problemas de saúde, poliomielite, que reduziram seus movimentos a praticamente o mínimo. Passou então por intensos processos de fisioterapia e pode  reiniciar seu trabalho, então definitivamente voltado para o magistério. Numa sala nos fundos de sua casa, no Sumaré, passou para várias gerações seus conhecimentos, sua humildade e sua crença na beleza da dança que cada um pode descobrir em si mesmo.

 Como Laban, sua área de atuação nunca esteve muito bem definida. Seus alunos eram artistas plásticos, terapeutas, bailarinos, atores, atletas... Seu objetivo sempre foi o de transmitir os princípios de Laban em sua essência, ou seja, o respeito à individualidade juntamente à certeza que seu próprio corpo lhe dera de que a dança é possível para qualquer pessoa, na sua historicidade.

Acrescento aqui uma relação do percurso profissional de Maria Duschenes entre 1940 e 1990, ano em que definitivamente se afastou da vida pública, com informações emprestadas a seu biógrafo e aluno Acácio Ribeiro Vallin Júnior:

Nasceu na Hungria, Budapeste, a 26 de agosto de 1922. Naturalizou-se brasileira. Representante da Dança Expressiva Moderna ou Arte do Movimento. Membro da “Dance Notation Bureau” de Nova York. Possui o certificado e Diploma do Laban Art of Movement Center, concedidos pelo Ministério da Educação e Ciências da Inglaterra.

Realizou estudos do Método Dalcroze com Olga Szentpal e de técnica de ballet, profissionalmente, com Aurelio Milos em Budapeste, cursando em seguida a Kurt Jooss e Leeder “School of Dance” em Dartington Hall, Inglaterra e Connecticut, U.S.ª, com José Limon e Martha Grahan, Merce Cunninham e Doris Humphrey, além de Lisa Ullmann, diretora do Art of Movement Center na Inglaterra.

No Brasil desde 1939, dirigiu cursos de nível de pós-graduação de base universitária para a formação de instrutores em dança educacional moderna, atendendo a inúmeras solicitações de escolas de São Paulo.

Em colaboração com médicos e psicólogos, desenvolveu extensas pesquisas das quais resultaram métodos terapêuticos baseados no movimento e utilizados em vários institutos de São Paulo. Participação constante em congressos de Arte do Movimento, nos Estados Unidos e na Europa. Expôs seu método trabalho em dois Ateliers mediante aula prática e filmes no V Congresso Internacional de Psicodrama e Iº Congresso da Comunidade Terapêutica, São Paulo 1970.

Pesquisas de coreografia da arte de Vanguarda, apresentados no teatro Anchieta, São Paulo e Teatro Municipal do Rio de Janeiro, TESE, Tuca e conferências em universidades, centros de arte, Seminários de Música Pró-Arte, Fundação Armando Alvares Penteado.

Cursos para atualização para professores e assistentes pedagógicos sobre Educação pelo movimento, no SESC e em escolas da Prefeitura Municipal de São Paulo e da Secretaria do Bem Estar em 1972. Cursos intensivos para orientadores pedagógicos, professores de educação física e professores de música em 1973.

Fez parte do Corpo docente do Instituto Musical de São Paulo, Faculdade de Música, e foi responsável pela organização do Curso: Formas de Expressão e Comunicação Artística.

Realizou “A Paixão e Ressureição de Cristo” segundo Ghéon, com coro falado e cantos gregorianos do conjunto de Freis Dominicanos na Igreja de São Domingos, sob os auspícios dos Seminários da Pró-Arte de São Paulo. Também para a Pró-Arte, “A Odisséia”, versão coreográfica moderna, trechos da qual foram apresentados no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1963. No auditório “Theodor Heuberger” do Seminário de Música de São Paulo, a composição “Muitas são as Faces do Homem” além de inúmeros espetáculos infantis.

Fundou Juntamente com Maria Esther Stockler, Helena Villar, Lili Pudles com a colaboração de Tomoshigue Kusuno (artista plástico) o grupo Móbile em 1964. Apresentando-se no mesmo ano na Pró-Arte e na Fundação Armando Alvares Penteado. Em 1965, abriu o curso de férias da Pró-Arte em Teresópolis. Conviveu artisticamente com Yanka Rudska (fundadora da Faculdade de Dança da Universidade de Salvador/Bahia ) pôr todo tempo que esta permaneceu no Brasil e com seu grupo do qual faziam parte Yolanda Amadei e Lia Robatto. Do grupo Móbile também fazia parte Juliana Carneiro da Cunha e Paula Carneiro da Cunha.

Criou o espetáculo cinético “Mixed Media” em 1971 apresentado no MASP e na II Bienal de Artes Plásticas de Santos no Teatro Municipal de Ribeirão Preto, inovando sempre a relação entre a dança e as artes plásticas no que esta tem de mais arrojado.

Em 1978 participou da I Bienal Latino Americana de São Paulo com o espetáculo “Magitex” do qual faziam parte Juliana Carneiro da Cunha, J.C. Violla e Denilton Gomes, que foi musicado por Dinho Nascimento.

Durante a gestão de Gianfrancesco Guarnieri como secretário da cultura do município, foi convidada a desenvolver o programa “Dança nas Bibliotecas” que permaneceu por pelo menos 10 anos, estimulando a prática da dança entre os freqüentadores das bibliotecas infanto-juvenis de São Paulo.

Supervisionou o projeto de Dança/Arte do Movimento em 1990 na prefeitura de São Paulo. Este projeto levou a dança para as secretarias da saúde, educação e reuniu mais de 150 pessoas no palco do Teatro Municipal de São Paulo com a dança coral “Origens I”.

Foi homenageada na 21ª Bienal Internacional de São Paulo através do evento “Dança Coral Origens II”, onde se realizaram dois espetáculos; um infantil com pelo menos 100 crianças e outro profissional. As apresentações aconteceram ao ar livre na instalação “Slice of Earth” de Denise Milan. O evento foi concebido e organizado por Maria Mommensohn, Tuca Pregnolato, Renata Neves e Solange Arruda.

Após tantos anos dedicando-se à difusão dos princípios de Laban, uma centena de professores, artistas, coreógrafos, bailarinos passaram por seu estúdio, contribuindo de maneira fundamental para a dança contemporânea na cidade e no país.